As Prefeituras e a Inovação
Santa Rita do Sapucaí, que baseia sua economia na inovação, cria Secretaria de Ciência e Tecnologia de olho na pequena empresa
Com 33.802 habitantes, segundo a última estimativa feita pelo IBGE, e 351 quilômetros quadrados situados no Vale da Eletrônica, Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, tem dois centros empresariais e mais de 110 empreendimentos de base tecnológica nas áreas de eletrônica, informática, telecomunicações, têxtil e administração. Santa Rita está a 220 quilômetros de São Paulo, 400 quilômetros do Rio de Janeiro e 430 quilômetros da capital mineira, Belo Horizonte, próxima do eixo da Rodovia Fernão Dias. Essa localização estratégica, perto dos principais mercados consumidores e grandes centros de produção, aliada aos investimentos em C&T, diferenciam essa pequena cidade.
O poder empreendedor e inovador de Santa Rita do Sapucaí é conhecido entre os que acompanham o tema inovação no País. Mas uma secretaria municipal de ciência e tecnologia nasceu só agora, em janeiro de 2005. O prefeito Ronaldo Carvalho (PSDB) criou a secretaria e a entregou ao sociólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Elias Kallás, chefe do Departamento de Ciências Humanas e Sociais do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). “Uma secretaria de C&T em um pequeno município chama a atenção, mas para quem está no sistema, sua existência faz perfeito sentido e é algo muito consistente com nossa história de desenvolvimento tecnológico e incubação de empresas”, afirma.
O Inatel é exemplo de pioneirismo. Universidade com importante atividade de pesquisa, no dia 12 de janeiro deste ano fez a primeira transmissão digital em TV aberta do País, usando um equipamento nacional. O projeto, em parceria com a empresa Linear, recebeu financiamento de R$ 8 milhões do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). As mais de 110 empresas da cidade empregam 3 mil pessoas diretamente e 2.500 indiretamente, o que representa 40% da população economicamente ativa do local. Juntas, essas companhias faturaram US$ 150 milhões em 2004, fabricando mais de 5 mil produtos, sendo 25% voltados para exportação e uma outra parte para substituição de importações.
Sinhá Moreira e a escola técnica
Dos distantes 1800, quando a família do português Manoel José da Fonseca chegou ao Alto da Mantiqueira e decidiu se instalar à beira do Rio Sapucaí, até os dias atuais, o café e o leite foram os principais produtos de Santa Rita. No final dos anos 50, a cidade tomou o rumo da alta tecnologia, graças à iniciativa de uma liderança local, Luzia Rennó Moreira, a Sinhá Moreira, filha do banqueiro Francisco Moreira da Costa e descendente de uma família de políticos tradicionais. Casada com o diplomata Antônio Moreira de Abreu, vice do presidente Rodrigues Alves, ela morou no Japão antes da Segunda Guerra, época em que esse país recebia investimentos na área tecnológica. O casamento não deu certo e Sinhá Moreira voltou ao Brasil. Do Japão, ela trouxe a idéia de implantar uma escola técnica de eletrônica em Santa Rita.
Seus planos ganharam mais força quando o médico da cidade, Walter Telles, contou que esteve em uma palestra do físico Albert Einstein nos Estados Unidos. Einstein afirmou no evento que o mundo giraria em torno da eletrônica. Definitivamente convencida, em 1959, Sinhá Moreira fez, com recursos próprios, a primeira escola técnica de eletrônica de segundo grau da América Latina, a ETE Francisco Moreira da Costa, existente até hoje. Para a escola funcionar, ela recorreu ao amigo e presidente da República, o também mineiro Juscelino Kubitschek, que instituiu o ensino médio profissionalizante no Brasil para que a ideia de Sinhá Moreira pudesse sair do papel.
Uma das mais contadas histórias sobre Sinhá Moreira foi a vez em que ela alugou um ônibus para levar alunos do ETE a uma visita à IBM em São Paulo. Queria mostrar à empresa que sua cidade estava formando bons profissionais para o setor. Ela morreu de câncer em 1963, muito antes de se pensar na formação do atual Vale da Eletrônica.
A iniciativa de Sinhá Moreira não foi isolada. Em julho de 1964, surgiu o Inatel, idealizado pelo professor José Nogueira Leite, criador do marcapasso externo. Ele propôs que a universidade fosse feita em sua cidade, Itajubá, mas esta não abraçou a ideia. Ao apresentar o projeto para a Sociedade Amigos de Santa Rita, obteve aprovação das autoridades e lideranças.
Os anos 70 foram marcados pelas primeiras iniciativas de incubação de empresas. Da reunião de um grupo de alunos e ex-alunos do Inatel e professores do instituto e da ETE nasceu a empresa Linear, aquela que desenvolveu um transmissor brasileiro para TV Digital. Em 1971, surgiu também a Faculdade de Administração e Informática (FAI). “Nós tínhamos escolas, mas não tínhamos empresas e seria difícil atrair empresas para o meio dos cafezais, então resolvemos estimular a criação de empresas, com o apoio das universidades”, lembra Kallás.
O começo dos anos 80 foi marcado pelas feiras de ciência da ETE e do Inatel, onde os alunos apresentam suas idéias inovadoras e de onde saíram várias empresas. Hoje, a cidade conta com uma política estruturada de busca de talentos para pesquisa e, principalmente, para formar empreendedores. Quando entram na universidade, os alunos podem participar de dois programas, um de formação para pesquisa e outro para ser profissional da iniciativa privada. A identificação dos alunos com vocação para o empreendedorismo e a inovação é feita ainda no segundo grau, por meio principalmente das feiras anuais de ciência. “Antecipamos isso, fazendo essa discussão quando ainda estão no colegial”, conta o secretário de C&T Elias Kallás.
Nos anos 80 a cidade tomou novo impulso, com a gestão de Paulo Frederico de Toledo e sua política para incentivo à pequena e média empresa, acompanhando o movimento de incubação. “Esta é a temática atual e presente: fortalecer a estrutura da produção por meio do desenvolvimento científico e tecnológico, para termos empresas competitivas”, ressalta Kallás. Ele lembra que a economia local está exposta à forte competitividade internacional e que as empresas do município precisam se preparar para buscar o mercado externo e para estabelecer relações de parcerias com as multinacionais, fazendo vínculos que tragam benefícios para a economia municipal. “Para isso, precisamos de qualificação técnica e científica”, completa.
Os planos do novo secretário de C&T
Tendo traçada essa estratégia, a meta da gestão de Kallás é assegurar as condições para que as empresas de Santa Rita — sejam elas integrantes do setor rural, industrial ou de comércio e serviços — se beneficiem da inserção do pólo tecnológico ali instalado na economia nacional e até internacional, e consigam conduzir seus negócios para serem inovadoras e, com isso, competitivas. “Vamos estimular a incorporação de conhecimento científico e tecnológico na produção”, assegura.
As “meninas dos olhos” em Santa Rita são as duas incubadoras de empresas, uma do Inatel e outra da própria prefeitura. Cada uma delas tem hoje dez projetos abrigados. As empresas levam, em média, de dois a dois anos e meio para se graduar. “Isso nos dá aproximadamente dez novas empresas e 100 novas posições de trabalho por ano”, diz.
A atual gestão pretende estimular novos projetos na universidade para incubação, criar referências gerenciais para as empresas de base tecnológica e democratizar o acesso aos recursos de P&D tecnológico, incentivando as empresas a apresentarem projetos nos editais e chamadas públicas de agências de fomento à C&T estadual (Fapemig), federais (como Finep, CNPq, BNDES) e internacionais. São esses recursos que bancam as ações em C&T do município. Outro objetivo do novo secretário é desmistificar o mundo da ciência e tecnologia para o pequeno empreendedor. “O mundo da C&T não é feito só de chip“, brinca.
“Nossa experiência de articulação da produção a partir de projetos científicos e tecnológicos, agregando valor à economia nacional, indica um caminho para o País”, acredita Kallás. “Nosso exemplo vale mais pela sinalização do que podemos fazer no Brasil do que pelo volume de recursos que aplicamos”, finaliza. (J.S.)
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